O tempo tal qual conhecemos e que regula nossos contratos de tempo no cotidiano é o tempo cronológico. Aquele que medimos no relógio, que compartimentamos para organizar as atividades na agenda, que serve para reger aquilo que fazemos em grupo e coisas que demandam que marquemos horários comuns.
É esta compreensão do tempo que está na origem da ideia de que ele é mensurável, manejável e gerenciável: o tempo como um recurso.
Mas esta não é a única ideia de tempo que existe. É apenas a que convencionamos adotar, porque ela atende ao que interessa que façamos no tempo. Se o tempo é recurso gerenciável, ele pode estar “a serviço” do trabalho, do consumo e da vida digital, que são os motores da vida acelerada que levamos.
Se o tempo é um recurso, ele pode ser "organizado" e essa ideia está na base de mitos cronomeritocráticos, de que todos temos as mesmas 24 horas, então, somos capazes de realizar qualquer coisa. Basta se organizar.
Também é este tempo que rege a ideia da crononormatividade, estudada pela pesquisadora estadunidense Elizabeth Freeman. A noção dá conta de definir as convenções sociais sobre o tempo que terminam normalizando e normatizando ideais como ser alfabetizado até os 7 anos; casar até os 30; ter filhos até os 35; ser "bem-sucedido" (seja lá o que isso for) aos 40. E assim por diante.
“Pois esta forma de entender o tempo não é a única que existe. Existem outras maneiras de compreender e viver o tempo entre os povos tradicionais, os povos originários, os povos indígenas, os povos africanos, os povos do sul global”.
De forma bem resumida e correndo o risco de ser imprecisa, para estas outras compreensões (ou cosmovisões), o tempo não é apenas —como diria o filósofo Ailton Krenak— uma flecha que aponta para a frente. O movimento do tempo pode ser cíclico, circular ou espiralar. Na natureza, a temporalidade do tempo é simultânea e sequencial ao mesmo tempo.
E estas formas de compreender o tempo em outras dimensões nos ajudam a entender porque o tempo ocidental, ocidentalizado e ocidentalizante é o tempo que convencionamos adotar. Apenas o tempo cronológico pode ser "útil".
O tempo não cronológico está aí para ser, para se desfrutar, para se estar. Tudo que, neste mundo, é visto como "inútil", pois não está a serviço da cultura da produtividade, do consumo e das tecnologias.
Este tempo cronológico é um tempo que acelera, porque está a serviço deste projeto (trabalho, consumo e tecnologias) e coloniza o presente (sequestrando a nossa capacidade de atenção); coloniza o passado (capturando a nossa memória); e coloniza o futuro e a capacidade de imaginá-lo (pois nos atira ao excesso de presente do automático e do "modo sobrevivência").
Mas esta não é a única ideia de tempo que existe e desacelerar passa, portanto, por entendermos que o tempo cronológico está a serviço do mundo acelerado. Para desacelerar, precisamos nos inspirar em outras formas de entender, viver e ser o tempo.
Michelle PrazeresColunista de VivaBem
Fonte: uol.com.br/vivabem/colunas/michelle-prazeres
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