Contrato
tem lista de 7 itens vetados para veículos que compraram direito de
transmissão do torneio
Sob
o signo da censura, começou no sábado (14) o Mundial de Clubes. A
“Lei da Mordaça” é a regra mais uma vez vigente para todos os
canais de televisão, streaming, rádios e demais plataformas que
irão passar os 63 jogos em mais de 100 países. Uma lei do silêncio
onipresente
que rege a relação entre a e
todos os meios de comunicação detentores dos direitos de
transmissão
nos eventos da entidade ao longo dos tempos. No Brasil, TV Globo,
SporTV, Cazé TV (parceria com a Live Mode), Globoplay e a DAZN
transmitem, além de emissoras de rádio.
O
ICL Notícias obteve a lista de 7 itens vetados em contrato. O
principal: é proibido falar mal da competição disputada nos
Estados Unidos até o dia 13 de julho.
O
impedimento se estende a qualquer abordagem negativa sobre a DAZN,
empresa detentora dos direitos globais da competição.
A
regra vale para qualquer momento da competição: durante narrações,
intervalos, comentários ou outras intervenções.
Os
sete itens sob censura:
– Falar
mal do evento da FIFA ou da DAZN durante narrações, intervalos,
comentários ou outras intervenções.
– Depreciar
estádios onde os jogos serão realizados.
– Fazer
citações comerciais de qualquer natureza sobre os patrocinadores
oficiais: Coca-Cola, Visa, Bank of América, Anheheuser-Bush InBev e
Hisense.
– Repassar
informações do contrato para terceiros.
– As
citações comerciais permitidas serão devidamente enviadas aos
narradores.
– Não
interromper a transmissão ao vivo de qualquer partida para
comercial, exceto no intervalo.
– É
proibido em qualquer momento durante ou após a competição divulgar
ou comunicar qualquer informação do contrato.
A
DAZN pagou US$ 1 bilhão à Fifa pela propriedade e, além de
transmitir em plataforma própria, sublicencia o direito de
transmissão para terceiros.
A
expectativa anterior da FIFA era de arrecadar mais de US$ 2 bilhões
vendendo os direitos do Mundial, mas com a proximidade da disputa
esse valor se frustrou.
Associação
com os árabes
A
compra de direitos do Mundial por parte da DAZN e a lei da mordaça
tem uma inequívoca digital: o Fundo de Investimento Público (PIF),
o fundo de investimentos árabe controlado pelo príncipe herdeiro
Mohammed bin Salman, um dos maiores do mundo, com estimados ativos
US$ 925 bilhões e investimento em setores diversificados. Com
expectativa de chegar a US$ 3 trilhões na próxima década. O que
explica toda a censura e mantém o silêncio e a cumplicidade do
mundo do futebol e detentores de direitos de transmissão com
violações aos direitos humanos ao redor do mundo e com os problemas
dos grandes eventos.
Poucas
semanas depois do surpreendente aviso de que a DAZN pagaria US$ 1
bilhão pelos direitos de transmissão e de sublicenciar o Mundial, o
PIF anunciou que uma de suas subsidiárias tinha adquirido
participação na empresa. O valor: US$ 1 bilhão. Uma
coincidência com o valor pago pela DAZN pelos direitos da
competição.
Pouco
tempo depois, uma nova coincidência cercando a competição: a FIFA
anunciou que o PIF seria o parceiro oficial da entidade no patrocínio
do Mundial de Clubes. O acordo foi saudado no Instagram da FIFA,
assim como no do próprio presidente da entidade, Gianni Infantino.
A
compra de eventos esportivos é parte central da “Visão 2030”,
estratégia desenhada para estabelecer a vinculação do nome da
Arábia Saudita para melhoria da imagem do país no exterior. Um caso
típico de “sportswashing”, a lavagem de imagem pelo esporte. E o
PIF é o grande agente desse planejamento.
Dentro
dessa estratégia, a Arábia Saudita tem sediado ou patrocinado os
principais eventos esportivos do mundo e instituições, como o World
Wrestling Entertainment (WWE), o Grande Prêmio de F1 da Arábia
Saudita, a Copa do Mundo de Clubes da FIFA, as finais do torneio de
tênis Next Gen ATP (de 2024 a 2027), os Jogos Asiáticos de Inverno
de 2029 (junto ao Comitê Olímpico Internacional) e os Jogos
Asiáticos de 2034. A Associação Masculina de Tenistas
Profissionais (ATP) e o PIF anunciaram uma parceria estratégica
plurianual e a Associação de Tênis Feminino (WTA), em 2024, fechou
as finais de 2024 a 2026 em Riad. Em 2021, o PIF fechou um acordo
para comprar o Newcastle United por 300 milhões de libras. Um dos
participantes do Mundial de Clubes, o Al-Hilal, é propriedade do
PIF.
O
diamante da coroa foi o anúncio da sede da Copa do Mundo de Futebol
Masculino de 2034 na Arábia, sem qualquer concorrência na FIFA.
Para
a competição, Bin Salman prometeu à FIFA a construção de dez
novos estádios, renovação de quatro estádios existentes e a
ampliação de outros três, hotéis, reforma no trânsito e em
outras infraestruturas obrigatórias. O tema preocupa a Human Rights
Watch, já que, de acordo com um relatório sobre o tema “o país
proíbe sindicatos, greves e protestos, e há poucas proteções de
direitos humanos para os estimados 13,4 milhões de trabalhadores
migrantes da Arábia Saudita que trabalham na construção ou em
outros empregos de baixos salários no setor de serviços”.
Como
já tinha acontecido no Catar em 2022. Com o mesmo silêncio dos
detentores de direitos de transmissão e do jornalismo praticado por
estes.
“O
homem que comprou o mundo”
Em
20 de novembro de 2024, a ONG Human Rights Watch publicou relatório
com o título de “O homem que comprou o mundo – Abusos de
direitos ligados ao Fundo de Investimento Público da Arábia Saudita
e ao seu presidente, Mohammed bin Salman”. Das 59 páginas, 14 são
dedicadas ao PIF e às violações de direitos humanos que tem o
fundo como maior artífice.
Em
relação ao esporte, o relatório afirmou que “o fundo soberano da
Arábia Saudita, o Fundo de Investimento Público (PIF), controlado
pelo príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, facilitou e se
beneficiou de violações dos direitos humanos. O príncipe herdeiro
usou o poder econômico do fundo para cometer graves violações dos
direitos humanos e investimentos em eventos esportivos estrangeiros
para encobrir os danos à reputação”.
O
PIF também se tornou um dos principais investidores no mundo de
investimentos de alto nível em tecnologias de energia limpa. Mesmo
que sejam em proporção ínfima dos que faz em combustíveis
fósseis. De acordo com o relatório, uma “lavagem verde”.
Como
afirmaram agentes de inteligência do governo dos EUA, bin Salman é
o principal suspeito de ser o mandante do assassinato do jornalista
Jamal Khashoggi, do Washington Post, no consulado saudita, em
Istambul, na Turquia, em 2018.
A
Fifa às voltas com a censura
Censura
aos meios de comunicação não é um tema novo na FIFA. A
instituição tem um longo histórico de falta de transparência e
intimidação sobre a imprensa nos temas que abordam corrupção de
dirigentes, eventos e finanças.
Em
1978, um acordo entre João Havelange e o ditador argentino Rafael
Videla, fez com que a Copa do Mundo ocorresse na Argentina, um país
sob censura e que a ditadura local usasse o evento como propaganda
política. Quatro décadas depois, a Copa do Mundo do Catar, em 2022,
ficou marcada pelas proibições da entidade, como o veto à
braçadeira de capitão nas cores do arco-íris do movimento LGBT,
que seria usado por alguns países como Inglaterra e Alemanha. Uma
das mais marcantes imagens da
competição foi a foto do time
alemão na estreia contra o Japão, quando todos os jogadores taparam
a própria boca com a mão, em alusão à censura da FIFA.
Processos
e intimidações a jornalistas são recorrentes no histórico da FIFA
também. Andrew Jennings, o famoso repórter britânico, sofreu
diversos processos por suas denúncias. Jennings relatou várias
tentativas de intimidação por parte de dirigentes e também de
cooptação de profissionais da imprensa para fazer jornalismo
favorável à instituição, apenas com boas notícias. Por diversas
vezes, o jornalista contou como, segundo ele, Joseph Blatter teria
subornado diversos profissionais da imprensa inglesa em 2002 para
abafarem o caso de corrupção envolvendo a FIFA e a empresa de
eventos ISL.
Na
Copa do Mundo de 1998, na França, a FIFA e seu então presidente,
João Havelange, chegaram a negar o credenciamento do jornalista Juca
Kfouri, em represália as reportagens e opiniões com denúncias
sobre a entidade. Após longa pressão internacional, Havelange se
viu constrangido a liberar a credencial para cobertura do Mundial.
Ao
longo dos anos, Kfouri tem tratado em artigos e palestras sobre o
conflito entre “Direitos de Transmissão X Jornalismo”, o que
explica a cobertura acrítica e laudatória por parte dos que
transmitem eventos.
A
reportagem ouviu o jornalista sobre a “Lei da Mordaça” imposta
aos meios que detém os direitos de transmissão do Mundial de
Clubes.
“Não
surpreende, sabem todos que conhecem os bastidores da Fifa.
Surpreendente é um veículo aceitar tais imposições. Ou melhor:
também não é”, ironizou.
A
reportagem enviou pedido de resposta para a FIFA através da
assessoria de comunicação, sem resposta.
Por
Lúcio de Castro
Fonte:
https://iclnoticias.com.br/a-lei-da-mordaca-da-fifa-no-mundial-de-clubes/