6.16.2025

DIREITO DE TRANSMISSÃO X JORNALISMO: A LEI DA MORDAÇA Fifa no Mundial de Clubes

Contrato tem lista de 7 itens vetados para veículos que compraram direito de transmissão do torneio

Sob o signo da censura, começou no sábado (14) o Mundial de Clubes. A “Lei da Mordaça” é a regra mais uma vez vigente para todos os canais de televisão, streaming, rádios e demais plataformas que irão passar os 63 jogos em mais de 100 países. Uma lei do silêncio onipresente que rege a relação entre a  e todos os meios de comunicação detentores dos direitos de transmissão nos eventos da entidade ao longo dos tempos. No Brasil, TV Globo,  SporTV, Cazé TV (parceria com a Live Mode), Globoplay e a DAZN transmitem, além de emissoras de rádio.

O ICL Notícias obteve a lista de 7 itens vetados em contrato. O principal: é proibido falar mal da competição disputada nos Estados Unidos até o dia 13 de julho.

O impedimento se estende a qualquer abordagem negativa sobre a DAZN, empresa detentora dos direitos globais da competição.

A regra vale para qualquer momento da competição: durante narrações, intervalos, comentários ou outras intervenções.

Os sete itens sob censura:

Falar mal do evento da FIFA ou da DAZN durante narrações, intervalos, comentários ou outras  intervenções.

Depreciar estádios onde os jogos serão realizados.

Fazer citações comerciais de qualquer natureza sobre os patrocinadores oficiais: Coca-Cola, Visa, Bank of América, Anheheuser-Bush InBev e Hisense.

Repassar informações do contrato para terceiros.

As citações comerciais permitidas serão devidamente enviadas aos narradores.

Não interromper a transmissão ao vivo de qualquer partida para comercial, exceto no intervalo.

É proibido em qualquer momento durante ou após a competição divulgar ou comunicar qualquer informação do contrato.

A DAZN pagou US$ 1 bilhão à Fifa pela propriedade e, além de transmitir em plataforma própria, sublicencia o direito de transmissão para terceiros.

A expectativa anterior da FIFA era de arrecadar mais de US$ 2 bilhões vendendo os direitos do Mundial, mas com a proximidade da disputa esse valor se frustrou.

Associação com os árabes

A compra de direitos do Mundial por parte da DAZN e a lei da mordaça tem uma inequívoca digital: o Fundo de Investimento Público (PIF), o fundo de investimentos árabe controlado pelo príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, um dos maiores do mundo, com estimados ativos US$ 925 bilhões e investimento em setores diversificados. Com expectativa de chegar a US$ 3 trilhões na próxima década. O que explica toda a censura e mantém o silêncio e a cumplicidade do mundo do futebol e detentores de direitos de transmissão com violações aos direitos humanos ao redor do mundo e com os problemas dos grandes eventos.

Poucas semanas depois do surpreendente aviso de que a DAZN pagaria US$ 1 bilhão pelos direitos de transmissão e de sublicenciar o Mundial, o PIF anunciou que uma de suas subsidiárias tinha adquirido participação na empresa. O valor:  US$ 1 bilhão. Uma coincidência com o valor pago pela DAZN pelos direitos da competição.

Pouco tempo depois, uma nova coincidência cercando a competição: a FIFA anunciou que o PIF seria o parceiro oficial da entidade no patrocínio do Mundial de Clubes. O acordo foi saudado no Instagram da FIFA, assim como no do próprio presidente da entidade, Gianni Infantino.

A compra de eventos esportivos é parte central da “Visão 2030”, estratégia desenhada para estabelecer a vinculação do nome da Arábia Saudita para melhoria da imagem do país no exterior. Um caso típico de “sportswashing”, a lavagem de imagem pelo esporte. E o PIF é o grande agente desse planejamento.

Dentro dessa estratégia, a Arábia Saudita tem sediado ou patrocinado os principais eventos esportivos do mundo e instituições, como o World Wrestling Entertainment (WWE), o Grande Prêmio de F1 da Arábia Saudita, a Copa do Mundo de Clubes da FIFA, as finais do torneio de tênis Next Gen ATP (de 2024 a 2027), os Jogos Asiáticos de Inverno de 2029 (junto ao Comitê Olímpico Internacional) e os Jogos Asiáticos de 2034. A Associação Masculina de Tenistas Profissionais (ATP) e o PIF anunciaram uma parceria estratégica plurianual e a Associação de Tênis Feminino (WTA), em 2024, fechou as finais de 2024 a 2026 em Riad. Em 2021, o PIF fechou um acordo para comprar o Newcastle United por 300 milhões de libras. Um dos participantes do Mundial de Clubes, o Al-Hilal, é propriedade do PIF.

O diamante da coroa foi o anúncio da sede da Copa do Mundo de Futebol Masculino de 2034 na Arábia, sem qualquer concorrência na FIFA.

Para a competição, Bin Salman prometeu à FIFA a construção de dez novos estádios, renovação de quatro estádios existentes e a ampliação de outros três, hotéis, reforma no trânsito e em outras infraestruturas obrigatórias. O tema preocupa a Human Rights Watch, já que, de acordo com um relatório sobre o tema “o país proíbe sindicatos, greves e protestos, e há poucas proteções de direitos humanos para os estimados 13,4 milhões de trabalhadores migrantes da Arábia Saudita que trabalham na construção ou em outros empregos de baixos salários no setor de serviços”.

Como já tinha acontecido no Catar em 2022. Com o mesmo silêncio dos detentores de direitos de transmissão e do jornalismo praticado por estes.

O homem que comprou o mundo”

Em 20 de novembro de 2024, a ONG Human Rights Watch publicou relatório com o título de “O homem que comprou o mundo – Abusos de direitos ligados ao Fundo de Investimento Público da Arábia Saudita e ao seu presidente, Mohammed bin Salman”. Das 59 páginas, 14 são dedicadas ao PIF e às violações de direitos humanos que tem o fundo como maior artífice.

Em relação ao esporte, o relatório afirmou que “o fundo soberano da Arábia Saudita, o Fundo de Investimento Público (PIF), controlado pelo príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, facilitou e se beneficiou de violações dos direitos humanos. O príncipe herdeiro usou o poder econômico do fundo para cometer graves violações dos direitos humanos e investimentos em eventos esportivos estrangeiros para encobrir os danos à reputação”.

O PIF também se tornou um dos principais investidores no mundo de investimentos de alto nível em tecnologias de energia limpa. Mesmo que sejam em proporção ínfima dos que faz em combustíveis fósseis. De acordo com o relatório, uma “lavagem verde”.

Como afirmaram agentes de inteligência do governo dos EUA, bin Salman é o principal suspeito de ser o mandante do assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, do Washington Post, no consulado saudita, em Istambul, na Turquia, em 2018.

A Fifa às voltas com a censura

Censura aos meios de comunicação não é um tema novo na FIFA. A instituição tem um longo histórico de falta de transparência e intimidação sobre a imprensa nos temas que abordam corrupção de dirigentes, eventos e finanças.

Em 1978, um acordo entre João Havelange e o ditador argentino Rafael Videla, fez com que a Copa do Mundo ocorresse na Argentina, um país sob censura e que a ditadura local usasse o evento como propaganda política. Quatro décadas depois, a Copa do Mundo do Catar, em 2022, ficou marcada pelas proibições da entidade, como o veto à braçadeira de capitão nas cores do arco-íris do movimento LGBT, que seria usado por alguns países como Inglaterra e Alemanha. Uma das mais marcantes imagens da
competição foi a foto do time alemão na estreia contra o Japão, quando todos os jogadores taparam a própria boca com a mão, em alusão à censura da FIFA.

Processos e intimidações a jornalistas são recorrentes no histórico da FIFA também. Andrew Jennings, o famoso repórter britânico, sofreu diversos processos por suas denúncias. Jennings relatou várias tentativas de intimidação por parte de dirigentes e também de cooptação de profissionais da imprensa para fazer jornalismo favorável à instituição, apenas com boas notícias. Por diversas vezes, o jornalista contou como, segundo ele, Joseph Blatter teria subornado diversos profissionais da imprensa inglesa em 2002 para abafarem o caso de corrupção envolvendo a FIFA e a empresa de eventos ISL.

Na Copa do Mundo de 1998, na França, a FIFA e seu então presidente, João Havelange, chegaram a negar o credenciamento do jornalista Juca Kfouri, em represália as reportagens e opiniões com denúncias sobre a entidade. Após longa pressão internacional, Havelange se viu constrangido a liberar a credencial para cobertura do Mundial.

Ao longo dos anos, Kfouri tem tratado em artigos e palestras sobre o conflito entre “Direitos de Transmissão X Jornalismo”, o que explica a cobertura acrítica e laudatória por parte dos que transmitem eventos.

A reportagem ouviu o jornalista sobre a “Lei da Mordaça” imposta aos meios que detém os direitos de transmissão do Mundial de Clubes.

Não surpreende, sabem todos que conhecem os bastidores da Fifa. Surpreendente é um veículo aceitar tais imposições. Ou melhor: também não é”, ironizou.

A reportagem enviou pedido de resposta para a FIFA através da assessoria de comunicação, sem resposta.

Por Lúcio de Castro

Fonte: https://iclnoticias.com.br/a-lei-da-mordaca-da-fifa-no-mundial-de-clubes/

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