É amargo o regresso de Ciro Ferreira Gomes ao ninho reduzido, desbastado e conflagrado do PSDB. Ele foi o mais promissor político de sua geração. Desabrochou para os jogos da macropolítica pelas mãos hábeis de gestor de Tasso Ribeiro Jereissati, o jovem governador do Ceará eleito aos 37 anos em 1986. Apadrinhado por Tasso, elegeu-se prefeito de Fortaleza em 1988.
Juntos, os dois mudaram as práticas políticas arcaicas de um dos estados mais atrasados do país, inauguraram os princípios de responsabilidades fiscais com compromissos sociais profundos e expurgaram a política local aniquilando com uma das castas mais reacionárias e duradouras de coronéis remanescentes do tenentismo dos anos 1930 que foi o berço dos golpistas de 1964.
Novamente reunidos sob o mesmo teto de um teatro partidário, passaram os últimos 20 anos sem aproximarem os bicos. Em 2002, tendo encerrado o 3º mandato como governador estadual, Jereissati renunciou ao direito de disputar a sucessão de Fernando Henrique Cardoso ao aceitar abrir mão da disputa interna dos tucanos em favor de José Serra, então ministro da Saúde. Elegeu-se senador e patrocinou a candidatura presidencial de Ciro, com quem rompeu logo depois.
Administradores brilhantes, porém, donos de personalidades irascíveis, a dupla não permite que ninguém cresça à sombra de suas gestões. Tasso é dono de um ouvido mais treinado e parcimonioso, sendo também mais hábil na coordenação de projetos. Ciro tem a agonia amarga dos recalcados; a pressa de quem crê precisar sempre mostrar a própria genialidade para o outro e colher elogios. Contudo, ambos são irritantemente e desmedidamente controladores. Essa é a raiz dos erros cometidos nos últimos 30 anos e também o que os faz celebrar o reencontro nos palanques com o sabor açucarado e sem gás dos espumantes ruins; de uma Coca-Cola choca.
PT CEARENSE SÓ FEZ SUCESSO ALIADO A CIRO
Até 2014, o Partido dos Trabalhadores jamais havia vencido uma eleição para governador no Ceará, apesar das consagradoras votações de Lula no estado em todas as eleições presidenciais ocorridas desde 2002. Acusados de serem inexperientes, todos os candidatos petistas caíam para nomes inventados nos laboratórios políticos de Tasso e de Ciro. Quem quebrou essa lógica foi Camilo Santana, atual ministro da Educação, justamente em 2014.
Naquele ano, o nome de centro na disputa era Eunício Oliveira, adversário histórico de Ciro Gomes e aliado pontual de Jereissati em algumas eleições. Sem ter coelhos na cartola de seu grupo, Ciro abençoou Camilo e se tornou o abre-alas da campanha do PT em todo o território cearense. Foi o responsável pela eleição dele, agora considerado um dos melhores quadros da nova geração do PT, sem ter pedido votos para Dilma Rousseff na eleição que a ex-presidente venceria Aécio Neves por uma margem apertada e na qual eclodiram os maus bofes de um país misógino, arcaico e extremista.
Reeleito em 2018, Camilo Santana consolidou seu entorno político com gente egressa dos quadros da esquerda e restaurou a aliança com o outrora inimigo Eunício. A bela administração empreendida entre 2015 e 2022 deu ao ex-governador petista a plataforma necessária e suficiente para se eleger senador com folga e fazer de Elmano de Freitas, que sempre gozou de sua integral confiança, o sucessor.
O PSDB, então, não só deixou de reinar em terras cearenses como há dois pleitos não elege um deputado federal sequer. A bancada na Assembleia Legislativa mingou a ponto de quase desaparecer. Tasso Jereissati desistiu de disputar uma terceira reeleição para o Senado e tinha se declarado aposentado da política até a última semana, quando resgatou Ciro Gomes do limbo em que o ex-prefeito de Fortaleza, ex-governador do Ceará, ex-ministro da Fazenda (governo Itamar Franco), ex-ministro do Desenvolvimento Regional (governo Lula) e ex-marido de duas Patrícias fortíssimas — a Saboya, atualmente conselheira de contas no estado, e a Pillar, atriz e produtora — para as pelejas dos palanques.
CIRO ABRAÇOU A DIREITA E PODE NAUFRAGAR COM ELA
É pouco provável que o destino reserve a Ciro Gomes uma reescrita monumental da própria trajetória biográfica. Tendo disputado quatro eleições presidenciais, a melhor posição que obteve no sprint final das urnas foi em 1998, quando terminou em terceiro lugar. Em 2002, sob o patrocínio velado de Tasso e concorrendo pelo extinto PPS, chegou a ter uma largada promissora. Empolgou aliados e apavorou adversários, entretanto deu um tiro no pé depois de se enrolar com a própria mordacidade e ironias descabidas que lhe saem da boca aos borbotões.
Agora, para “lacrar” e em busca de seguidores para suas platitudes messiânicas, Ciro aliou-se a extremistas de direita no Ceará — muitos deles saídos das falanges criminosas do bolsonarismo.
Tasso Jereissati, em que pesem seus 76 anos e a miríade de problemas coronarianos que tem e os inúmeros stents que porta nas artérias desde antes dos 40 anos, é quem poderá mudar o fiasco aparentemente contratado para Ciro Gomes no retorno aos palanques estaduais cearenses.
Nesse roteiro da eleição futura a dupla de já históricos políticos do Ceará tenta dar um plot twist em suas biografias, fazendo-o armar um salto duplo carpado para a frente na perseguição da imortalidade de seus dogmas gerenciais e administrativos. É uma operação complexa e os aliados catados entre o rebotalho que sobrou na direita estadual não recomenda tamanha aventura.
Ainda assim, será uma das rinhas mais violentas para o PT dentre todas as disputas estaduais. O governador Elmano de Freitas não é páreo para Ciro numa briga tête-à-tête. Caso Cid Gomes cumpra a promessa de manter o rompimento com o irmão e perfilar ao lado do petista, há alguma chance de se equilibrar o embate. A candidatura de Ciro Gomes praticamente obriga Camilo Santana a voltar de Brasília para o ringue local, abortando um voo nacional consistente e bem-sucedido, para encarar um duelo titânico nas terras do Dragão do Mar.
Abraçados, Tasso e Ciro chamaram Camilo e o presidente Lula, que transformou uma necessária vitória no Ceará em um dos principais embates da campanha de 2026, para dançarem um bolero. No caso da dupla petista, o ritmo será progressivo, agressivo, para a frente e para cima. Já os tucanos parecem arrastados ao salão de baile ao som de uma fabulosa Perfídia sendo executada por músicos melancólicos da velha e memorável boate Quixadá-Quixadá (porque a canção eternizada por Sinatra era New York, New York) que pontificou na avenida Beira Mar do fim dos anos 1980, quando Jereissati e sua criatura saída do leito dos Ferreira Gomes pareciam uma grande novidade.
Por Luís Costa Pinto – Colunista do ICL
Fonte: iclnoticias.com.br

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